Até acabar a bateria

Gabriel Louback
7 min readMar 12, 2024

Estou escrevendo isso no programa de texto do computador. Eu ia abrir o bloco de notas, para pode escrever do celular quando quisesse, mas desisti. Ia escrever no Google Drive, mas desisti também. Senti que precisava ser nessa página em branco que tantas vezes já encarei, sem saber o que escrever, e tantas vezes evitei, por não sentir que aqui era o local. Sabe isso que a nossa geração millennial tem de não escrever emails importantes no celular? É tipo isso.

Decidi sentar e escrever pois me bateu um senso de urgência. Acabei de ver um post no Instagram de um amiga escritora, publicado daquele jeito “collab”, junto com uma revista feminina famosa aqui no Brasil. Até quando vou continuar sonhando com esses sonhos de ser publicado por uma revista, de ter uma coluna minha ou de ser reconhecido pelos meus textos?

Escrevo na ânsia de falar, algo que já tem me consumido nas últimas semanas: preciso voltar a escrever. Bem, estou aqui, escrevendo. Mas a pergunta me assombra: para quê? Para quem? Vira e mexe alguém me diz que eu deveria escrever um livro. Sobre o que? Não sou romancista. Já não escrevo crônicas. Sei lá meu estilo, o gênero que escrevo hoje.

A louça está acumulada na pia, como acontece em três dos cinco dias da semana útil — não é coincidência que em três dos cinco dias úteis sou o progenitor responsável pela casa (a companheira faz home office duas vezes na semana). Eu deveria estar lavando a louça, mas estou aqui, escrevendo. Me sinto menos culpado em relação ao tempo que fiquei no Instagram, vendo memes e literalmente não fazendo nada.

Mesmo que não pareça, mesmo que eu diga não saber, acho que está tudo ligado ao que li dessa amiga, no post dela em colaboração com uma revista feminina de grande circulação no Brasil. Acho que é o que meu terapeuta perguntaria: “O que você estava fazendo quando sentiu isso? Sobre o que falava o post?”, embora ele nunca tenha feito essa pergunta. Talvez seja só uma projeção de imaginar um terapeuta que fale assim, ou de vê-los representados em séries e filmes, fazendo esse tipo de pergunta — e eu nem precisaria imaginar ou projetar, considerando os 10 anos de terapia que tenho (10 anos somados, caso faça diferença essa informação e você tenha se perguntado se foram ininterruptos ou espaçados. Resposta: foram espaçados, em dois grandes blocos de cinco anos cada, o segundo sendo completado agora, e eu me dando uma semi-alta, ao dizer que achava que nossas sessões quinzenais poderiam ser mensais e meu terapeuta dizer: “Exatamente como tem sido, uma vez por mês, considerando as vezes que cancelou”. Eu sempre quis saber como aconteciam essas altas, e não sei se é assim para todo mundo, mas para mim, parece que é o cumprimento de uma auto-profecia: quando eu dou o passo em direção ao que acredito que pode ser, é o que já está sendo).

Mas divago.
Eu ia voltar ao assunto do post da minha amiga, mas lembrei que queria dizer uma coisa mais, sobre o que escrever, ou por quanto tempo, até que dê o horário de ter que lavar a louça correndo e sair para buscar minha filha na escola.

Escrever até acabar a bateria do computador.
Sempre achei chique nos filmes e séries (eu assisto muitos filmes e séries) os gringos simplesmente abrirem o laptop e ver que não estão conectados na tomada. Pode ser coisa só de filme e série, que usam esses ítens de cena sem representar a realidade, apenas de apoio, mas decidi que vou escrever até acabar a bateria. Não que eu só vá parar de escrever quando acabar, posso parar antes, mas se acabar, eu paro. Está longe ainda, então não sei como seria o final do texto, se eu correria ou terminaria de forma abrupta, como uma corrida contra o relógio.

Mas divago. Vá se acostumando.

A minha amiga escreveu sobre ser mãe, e tudo o que ela não é porque hoje ela é “apenas mãe”. E vale a pena ler essa amiga, a Amanda Foschini. Com certeza ela escreve melhor do que eu, e isso aqui, nesse momento, está longe de qualquer autocomiseração ou falsa modéstia, ou tentar que você tenha dó de mim (isso já aconteceu nesse texto anteriormente e vai acontecer novamente, mas agora é sério: está longe disso). A Amanda tem aquele tipo de texto que a gente lê e xinga, com gosto, pensando “Eu queria escrever assim”, mas xingando de elogio, não com raiva por ela ter esse dom e eu não, mas feliz por poder ler algo tão bom quanto as coisas que ela escreve. Ela me xingaria de volta, como poucas pessoas sabem xingar, dizendo que nada a ver, pra eu parar de encher o saco e só escrever e foda-se. E ela está certa. Por isso decidi começar a escrever.

Terminei recentemente de assistir “A nova vida de Toby”, que já tem um nome em inglês feito para nos confundir (“Fleishman is in trouble”), dando a indicar que a história é sobre esse Toby Fleishman, e até é, mas ele é apenas uma desculpa para a autora do livro que deu origem à série falar de algo mais universal: nós. Todos nós que chegamos na casa dos 40, na inevitável crise de meia idade.

Assim como quando a gente é jovem acredita piamente que não vamos nunca envelhecer (se você é jovem, é verdade, talvez você não perceba, conscientemente, mas você também acha que não vai envelhecer, todas as suas atitudes e decisões demonstram isso, só você não vê), a gente acha que a crise de meia idade é algo que só acontece com os outros, como um câncer, algo longe e distante que nunca vai pegar a gente, que pega muita gente e é destruidor, mas que não vai acontecer conosco.

Só que a crise de meia idade parece estar mais para a Influenza: assistindo à série, e lendo depois as trivias no IMDb, ela pega meio que todo mundo — e assim como a Influenza, você pode achar que é uma rinite, ou algo diferente, até Covid, algo mais raro, e se recusar a acreditar que foi infectado, mas acredite: acontece com geral. Pelo menos, acredito que esteja acontecendo comigo.

70% de bateria.
Preciso correr.

Estamos em março, e em junho fará dois anos que voltei para o Brasil, de vez. Desde 2014, tenho vivido como nômade, inclusive nos anos em que ficamos, eu e a companheira, no Brasil. Mas dessa vez, foi de vez. Voltamos sem planos de sair. De vez.

E há dois anos tenho dito que vivo um certo tipo de luto, por tudo o que sonhamos nesses oito anos como nômades, e tudo o que não se concretizou. Atribuo “estar perdido” ou “sem direção” a essa frustração, e pode ser realmente que tenha a ver, mas depois de ver o post da Amanda, logo em seguida a ter terminado “A nova vida de Toby”, talvez um fator importante que não considerei seja essa tal crise de meia idade, essa saudade de ser algo além de pai, ser algo além do progenitor que passa mais tempo em casa com a criança, ser algo além de “esse trampo até que é legal, mas o mais importante é que paga a mensalidade da escola e os boletos”.

E pelo que vi, todo mundo nessa crise de meia idade não quer parecer ingrato, e não sou, sou grato por estar conseguindo pagar a mensalidade da escola da minha filha e os boletos, mas parece que essa crise de meia idade está muito atrelada à saudade da juventude, à perda das infinitas possibilidades que tivemos por um curto período de tempo, e que não percebemos e fizemos nossas escolhas sem saber o quanto elas podariam todas as outras infinitas escolhas e possibilidades.

Acho que não tem como resolver isso, qualquer tentativa de tentar ser jovem com 40 anos automaticamente se materializa pateticamente na minha cabeça. Acredito que “the only way out is through”, e na verdade, nem idealizo “a way out”, uma saída disso, porque talvez seja isso mesmo, e não tenha saída (se estou em crise com 40, imagine com 50, 60 ou 70, cada vez mais perto “do fim”?) Acho que “a saída” é mais no sentido “como a gente lida com isso?” do que necessariamente sair disso.

67% de bateria.
Temos tempo.

A minha saída, acredito, talvez seja escrever. Comecei esse texto tendo bem claro o que queria dizer, não o todo do texto, mas pontos que eu queria falar. E já estamos aqui, sem eu saber do que se trata exatamente, mas enquanto escrevo, percebendo algo que meu terapeuta e eu sempre fazemos piada: “Tudo se trata de nós”. Na terapia a gente pode falar de milhares de pessoas, mas no fundo só estamos falando de nós, e é essa a proposta mesmo.

Talvez meu livro devesse ser sobre isso. Sobre mim. Eu já tinha pensado nisso, mas talvez não tivesse aceitado. Vou falar muito também de tudo o que tenho aprendido e vivenciado nesses últimos quase 5 anos de paternidade, algo que mudou completamente a minha vida, e revolucionou a forma que enxergo o mundo, afetando minha relação com as pessoas, o meu entorno, minha espiritualidade e minha relação comigo.

Mas em última instância, é um livro que falará sobre mim. Não porque eu só sei falar disso. Mas por ser talvez uma das poucas coisas que me sinta seguro para falar hoje. Do quanto tenho me conhecido e, mesmo que ainda desconheça muito, é o que dizem para fazermos quando escrevemos: falar daquilo que conhecemos e sabemos.

65% de bateria.
Escrevi rápido, escrevi “de qualquer jeito”, sem editar, apenas deixando a corrente de pensamentos e palavras fluírem da minha cabeça para a ponta dos meus dedos e o teclado do computador.

Não sei mais se sei escrever de algum outro jeito que não seja assim.
Você vai ter que se contentar.

--

--