Chefe da quebrada

Gabriel Louback
minicontos

--

Quando ele vinha para São Paulo e ficava na casa da sogra, no Grajaú, estava sempre com dois notebooks do trabalho na mochila. Como não conhecia o bairro, fazia o que seu pai faria: tirava a camisa social, ficando a peito nu, e entrava no bairro, de calça social, sapato e a mochila de poliéster virada pra frente. “Um louco”, era o que você diria. “Esse é aqui da quebrada mesmo”, era o que diziam os da quebrada.

Aos poucos, foi ganhando notoriedade. Afinal, só um louco, e da quebrada, pra andar ali sem camisa, de calça social e sapato... eu repito a vestimenta pois ainda não acredito que seja real. Mas era.

Aos poucos, passou da notoriedade e curiosidade para o respeito. Ninguém ousava questioná-lo, saber quem era, ou por que agia assim. Simplesmente passaram a respeitá-lo como alguém que ninguém devia mexer. Afinal, quem mexeria com alguém vestido daquela maneira, em pleno Grajaú?

Passou de “E aí, mano!” para “E aí, chefe!”: havia sido promovido ao gerente local da quebrada. Ele não sabia de nada, é claro. Para não correr nenhum perigo, só passou a cumprimentar de volta, com a cara mais fechada.

Quando o gerente-geral da região desapareceu misteriosamente, atribuíram ao homem de calça social, sapato e sem camisa. E a mochila no peito peludo e nu.

Não havia como voltar atrás. Ele continuou com isso por alguns meses, até que chegou o inverno. A única coisa que mudou foi que passou a colocar o pulôver encaixado na parte de trás da calça social, deixando o look ainda mais cubista.

Em uma noite de frio e chuva, depois de muitos dias a pelo nu, chegou tremendo na casa da sogra: 39,8°C de febre. “Dessa noite não passa”, previu a sogra. Acertou: pneumonia.

Nunca houve tantos fogos por alguém do bairro, tantas coroas de flores e tantos presentes como para ele. Em Curitiba, onde ele morava, ficou conhecido apenas como “o cara do TI que foi pra São Paulo um dia, sumiu, e nunca mais voltou.”

--

--