It takes a village

Gabriel Louback
2 min readMar 28, 2024

Toda vez que estamos atravessando a rua, minha filha vê um motoqueiro passar no sinal vermelho e comenta: “Papai, a omoto passou no vermelho, né? Não pode, né? Está errado.”

Discussões à parte do biopoder já instaurado na guria (alô Foucault), e de que minha filha entendeu que “a moto” não chama “amoto”, mas agora diz “a omoto” (é fofo, desisti, vou deixar), isso tem me incomodado demais. Primeiro, pela segurança dela e dos pedestres nesse cruzamento específico. Não era assim até pouco tempo atrás, mas nas últimas semanas, tenho visto cada vez mais e mais motoqueiros atravessando o cruzamento no vermelho, quando o sinal abre para os pedestres. Alguns esperam que atravessemos, mas é isso: esperam a ponto de não pisarmos na calçada ainda e já ouvirmos a “omoto” acelerando atrás de nós.

De que adianta a gente fazer a nossa parte se ninguém mais está fazendo?

É o que diz o ditado: “It takes a village to raise a child”, ou, na minha tradução, “É necessário uma comunidade inteira para criar uma criança”.

Hoje, mais do que nunca, entendo essa frase. Não só por ser privilegiado de ter uma rede de apoio que me ajuda e suporta nessa empreitada, mas por olhar ao redor e sentir desalento pela nossa realidade.

Outro dia vi um post no Instagram: “Estou criando meus filhos para que suas filhas não tenham medo deles”. Ótimo. Acho excelente. É o mínimo que deveríamos fazer como sociedade. E não é que não confie nos amigos que têm filhos meninos, o que está difícil confiar é nessa nossa vila. Vide o estuprador Daniel Alves saindo da prisão, tranquilaço. A mulher que sofreu o estupro se recusou a negociar financeiramente com a justiça uma indenização pelo que aconteceu com ela. Está certa: não tem preço para o que aconteceu. Infelizmente, a nossa vila acha o contrário, que o corpo dela tem um preço de mercado, sim, que se um homem quiser estuprar uma mulher, basta ele pagar uma quantia definida pela justiça que ele pode continuar caminhando tranquilamente pela calçada, mesmo que literalmente o mundo inteiro saiba o que ele tenha feito.

Que mensagem é essa?
Que merda de vila é essa que nos tornamos?

Se é necessário uma vila para criar uma criança, precisamos para ontem começar a discutir quem define as regras de convívio nesse lugar.

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